A Esfinge das Eleições: voltar a Marx para não sermos devorados



O Brasil de 2022 possui de um lado 62 famílias bilionárias e por outro lado 14 milhões de desempregados, 38 milhões de subempregados e 33 milhões de famintos pelos números oficiais, embora entendamos que os 60 milhões que estão em situação de insegurança alimentar também devem ser incluídos nesse montante. Essa realidade não é um simples contraste, mas o verdadeiro retrato do sistema capitalista, no qual para existirem as famílias bilionárias é necessário explorar até à última gota os corpos da classe trabalhadora.

Após os dois anos de pandemia, os governos do mundo inteiro aprovaram socorros financeiros bilionários para os Bancos, com a intenção de proteger as metas de lucro dos grandes empresários; em contraste com toda essa "generosidade" com os de cima, não existiu nenhuma política séria para alimentar os famintos ou proteger os empregos. Isso em um momento de inflação global! Agora, mesmo quem está empregado tem dificuldades para pagar as contas básicas durante o mês. O endividamento das famílias é altíssimo.

 Nesse contexto de decadência do capitalismo em nível mundial, o Brasil passa por um processo claro de desindustrialização. Entre os anos de 2015 e 2020, 36,6 mil fábricas foram fechadas no Brasil, cerca de 17 por dia! Enquanto isso, em 2021, as commodities negociadas pelo CITIBANK, um dos capitais imperialistas que negociam na Bolsa de Nova York os bens primários extraídos do Brasil, atingiram preços recordes.

 A burguesia brasileira, que não possui crise ou pudor nenhum em ser sócia menor do imperialismo, aceitou o caminho de transformar o país em um grande exportador de produtos primários, condenando o povo brasileiro a importar produtos industrializados, aumentar o desemprego e o subemprego e rebaixar os salários.

 A expansão do agronegócio gera miséria nas cidades e violência no campo. São registrados 34 conflitos agrários por semana, em média. Soma-se a isso, o avanço devastador da fronteira agropecuária nas terras dos povos originários e quilombolas, sobre biomas, rios e aquíferos. Os assassinatos de lideranças nesses conflitos crescem, comprovando que a burguesia nacional está disposta a massacrar todos e tudo que se coloque no caminho do seu projeto econômico.

E é esse Brasil de fome, de desemprego e de miséria que será convocado novamente para ir às urnas em outubro deste ano. Nos últimos quatro anos, o país foi governado pelos militares, representados por seu preposto Bolsonaro, uma figura repulsiva e de retórica fascista. Bolsonaro não esconde que governa para o setor mais predatório do capitalismo, apoiando todas as iniciativas do agronegócio e entregando grande parte da administração pública para o controle direto dos militares, que ocupam diretamente 6.157 cargos do Poder Executivo, incluindo ainda a direção de empresas como os Correios, Telebras, Petrobras, Dataprev, Amazul, Imbel, etc.

A burguesia colocou Bolsonaro e as Forças Armadas no governo, pois a repressão é necessária para garantir o projeto de superexploração da classe trabalhadora como o rebaixamento do Brasil na ordem mundial do Capital. A presença dos militares no Estado expressa um projeto do Capital para garantir a seguridade dos seus negócios em um tempo histórico turbulento.

Devido à soma dos ataques de seu projeto neoliberal-ditatorial com as crises pandêmica e econômica, ocorreu que o governo Bolsonaro enfrentou inúmeras mobilizações de rua, mesmo durante os momentos críticos da pandemia. Por diversas vezes, entre 2020 e 2021, se colocou a possibilidade da derrubada de Bolsonaro pela ação direta das ruas. Mas, a chamada “esquerda progressista” brasileira mais uma vez traiu a classe trabalhadora, paralisando as mobilizações, e garantindo tranquilidade para o genocida e corruptíssimo Bolsonaro cumprir o seu mandato, continuar seus ataques diários contra a nossa classe e concorrer à reeleição de 2022, com toda a máquina do Estado burguês em suas mãos. Toda a desaprovação popular diante do Governo Bolsonaro foi sendo canalizada única e exclusivamente para o voto nas eleições de outubro.

Essa ação foi milimetricamente calculada para beneficiar a candidatura de Lula. O PT conseguiu ganhar a população para confiar na farsa eleitoral e acreditar que o voto depositado nas urnas é a única saída para vencer o projeto autoritário de Bolsonaro. 

É nítido que toda a esquerda reformista deposita suas esperanças nas eleições e chama os trabalhadores a depositarem seu voto em alternativas burguesas. O contraditório é que Lula (PT) e seu vice Alckmin (PSB) são apoiados pelo grande capital financeiro e por amplos setores do agronegócio do país, sendo também diretamente candidatos da burguesia.

As organizações que apoiam e constroem a candidatura de Lula o fazem sem qualquer crítica aos ataques econômicos que os governos do PT desferiram (e seguem desferindo nos estados e municípios) contra os trabalhadores e são todas cúmplices da traição do PT ao impedir que as mobilizações de rua retirassem Bolsonaro do governo, ou pelo menos o emparedassem. São cúmplices da desmobilização da classe trabalhadora hoje e também da desmoralização da mesma que certamente virá quando ficar claro o caráter do governo Lula, da mesma forma que ocorreu na Argentina, Peru e Chile e logo se repetirá também na Colômbia. O crime que essas organizações cometem não é episódico, é histórico. Não se trata de uma tática equivocada, se trata de uma ação estratégica para rebaixar o nível de consciência das massas, favorecendo a perpetuação da exploração capitalista e da barbárie a ela cada vez mais associada.

Ao contrário do que propagam os vendedores de ilusões, não há nenhuma possibilidade de que um novo governo Lula (PT) seja pelo menos igual aos governos de 2003 a 2014, pois agora o projeto econômico da burguesia e a crise do capital não abrem espaço nem mesmo para as políticas de contenção social para os trabalhadores, que caracterizaram os primeiros anos desses governos.

Um setor da “esquerda reformista” ainda justifica o voto em Lula (PT) no 1º turno das eleições como um voto na defesa das conquistas democráticas no país. Esse setor claramente ignora que Lula, como um bom vassalo do Capital, não se constrangerá em negociar com os militares e manterá parte significativa deles na direção do Estado.

É preciso recordar que criaturas trevosas como General Heleno, General Mourão e Capitão Tarcísio Freitas, agora bolsonaristas, ganharam vida política durante o Governo de Lula, na vergonhosa invasão ao Haiti, como tropa de choque dos EUA contra os trabalhadores do país que realizou a primeira Revolução Negra da história. A Minustah, encabeçada pelo Brasil, deixou no Haiti um rastro de massacres, abusos sexuais e cólera. O General Heleno voltou do Haiti com pelo menos 60 mortos civis nas suas costas pelo massacre da favela de Cité Soleil, sem nunca ter sido responsabilizado.

É justamente por isso que Lula, que já traiu a classe trabalhadora em diversos momentos, não é a resposta para as ameaças de golpe de Bolsonaro. Pelo contrário, Lula irá aceitar todas as chantagens desse setor militar e não ficará constrangido em governar com essas forças para implementar um governo que trucide aqueles que forem às ruas contra as reformas capitalistas.

Assim, todo o enfrentamento às ameaças golpistas e aos privilégios dos militares deve ser realizado nas ruas, com uma ampla unidade, sendo criminoso o discurso que orienta a confiar cegamente no voto para deter o setor mais nefasto do capital.

As eleições, especialmente no período de crise, funcionam como uma cortina de fumaça que esconde aquilo que é o mais importante: os meios políticos que a burguesia adotará para conter as demandas populares. Por isso, a burguesia financia diversos candidatos para garantir que o governo que assumir apoiará os seus interesses.

Nós da Marx Brasil acreditamos que, em primeiro lugar os lutadores dispersos deveriam estar unificados em pontos comuns expressados por meio de uma candidatura revolucionária, isto é, unificados por meio de uma candidatura que não fosse para vender ilusões sobre a “as possibilidades de governar no capitalismo”, mas sim uma candidatura que chame para derrotar o bolsonarismo nas ruas agora e para além das eleições, que convoque uma aliança entre os trabalhadores da cidade e do campo, entre os explorados e oprimidos (negros, indígenas, LGBTs, mulheres, imigrantes, etc.) para lutar conta a fome, o desemprego, racismo, machismo, lgbtfobia, contra as milícias nos bairros pobres, contra as milícias do agronegócio e do garimpo, contra as grandes mineradoras estrangeiras que devastam a Amazônia.

No cenário das eleições de outubro próximo, entendemos que existem três candidaturas que não representam o setor burguês (UP, PCB e PSTU/Polo Socialista). Ainda que existam divergências entre essas organizações, nossa opinião é de que as mesmas poderiam e deveriam ter apresentado uma candidatura única, para defender um programa de independência de classe para os trabalhadores. Mas, essas organizações, que já são tão pequenas, optaram pela dispersão de forças e pela autoconstrução apenas, ao invés de unificar a esquerda não-lulista e construir uma unidade de ação para enfrentar os ataques que certamente virão por parte de um futuro governo Lula.

Sendo assim, dentre essas alternativas, optamos por chamar voto na candidatura de Vera Lúcia do PSTU pois, dentre essas, é a candidatura que, ainda que de forma marginal, dialoga com mais setores organizados da classe operária.  No entanto, nosso voto não é acrítico, ao contrário. Em nossa opinião, o denominado Polo Socialista e Revolucionário nada mais é do que uma frente de esquerda de pequenas organizações, composta tão somente pelo PSTU e sua franja, e exclusivamente voltada para as eleições, quando poderia ser a expressão eleitoral de uma unidade concreta nas lutas antes e depois das eleições. Infelizmente essa tarefa histórica o PSTU, grupo em torno do qual orbita o Polo, se furtou a realizar, acomodando-se ao regime democrático burguês e capitulando à lógica dos calendários das eleições burguesas e dos falsos "dias de lutas" das grandes centrais capitaneadas pelo PT e suas variantes.

Ademais, não temos acordo com todas as candidaturas do chamado Polo Socialista e Revolucionário por entender algumas delas como candidaturas não apenas não-revolucionárias, mas contrarrevolucionárias. Um exemplo vergonhoso é o do Espírito Santo, onde o Polo Socialista apresentou um Capitão da Polícia Militar como candidato ao cargo de Governador, uma verdadeira aberração, expressando um retrocesso na compreensão da natureza do papel das forças de repressão no capitalismo, em especial em um país marcado pela atuação selvagem, racista, machista e LGBTfobica das polícias, em especial da Polícia Militar, nos bairros de trabalhadores.

Nessas eleições, apesar de chamarmos o voto crítico em Vera Lúcia, o programa que nós da Marx Brasil apresentamos e defendemos será o nosso programa: um programa socialista e revolucionário para dialogar com os trabalhadores formais e precarizados, fazendo um chamado a uma unidade real nas ruas, nas lutas, nas fábricas, nas aldeias e quilombos, nas ocupações do campo e da cidade, no asfalto e na favela, para derrotar o projeto burguês de miséria, fome e morte no Brasil e no mundo. 


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