A Violência machista não tem limites: Anestesista estupra paciente durante o parto

 




             Por Babi Borges (Marx Brasil/São Paulo) 

 Nos últimos dias ficamos estarrecidos diante da notícia de que uma mulher foi estuprada durante o parto pelo anestesista.

O sentimento de jamais estar segura, o medo por si e pelos seus, a tristeza ao pensar no sofrimento da vítima, a indignação e o ódio abalaram, especialmente as mulheres, desde as notícias.

Infelizmente, somos obrigadas a conviver com o medo da violência sexual, lutando cotidianamente por respeito, dignidade, segurança e pelo direito ao próprio corpo. A violência obstétrica, as negligências e abusos promovidos pelas mais diversas instituições vêm sendo enfrentadas sem que as coisas mudem de fato. Mesmo diante disso, o crime bárbaro em questão evidenciou um nível de vulnerabilidade e de monstruosidade que nos atingiu profundamente.

O absurdo foi tamanho, que sequer os mais grotescos questionamentos frequentemente dirigidos às vítimas de estupro, tais como: “como onde estava? como se comportava? ou que roupa usava?” podiam partir de qualquer machista de plantão.

Uma mulher foi drogada e estuprada, dentro de um Hospital da Mulher, pelo profissional responsável por evitar a dor e garantir o sucesso de um procedimento cirúrgico, na presença de outros profissionais, enquanto paria!

O parto, para além do fim de uma gravidez que culmina no nascimento de um bebê, é um momento esperado, preparado e enaltecido quase como um evento social sagrado ou mágico, no qual a mulher gera uma nova vida. A mulher entrou no centro cirúrgico acompanhada do marido para que juntos vivessem esse momento (ele foi retirado da sala, antes do ocorrido). Neste dia e nesse lugar, ela também não estava segura.

 

Nunca é simples denunciar um estuprador

Mulheres da equipe de enfermagem desconfiaram do anestesista. Elas afirmam que em cirurgias anteriores, realizadas no mesmo dia, além dele ter exagerado nas dosagens de anestésicos aplicados às gestantes (o que já as preocupava), ele tinha feito “movimentos estranhos” durante as operações.

Para que pudessem questionar suas ações e denunciá-lo, as trabalhadoras da saúde precisavam de provas para que fossem ouvidas. Assim, esconderam um celular no centro cirúrgico e o deixaram gravando. Quando puderam pegar o aparelho e verificaram o conteúdo do vídeo, constataram que o anestesista dopava e estuprava as pacientes. Munidas dessa prova, imediatamente denunciaram o médico pelo estupro que não puderam evitar.

 

O médico e o monstro

Giovanni Quintella Bezerra, havia levantado suspeitas de abuso de mulheres por conta de sua estranha conduta como médico anestesista, uma vez que aplicava exagerada sedação às pacientes, coisa que, no mínimo, tornava os procedimentos ainda mais arriscados. Ele foi preso em flagrante no domingo, dia 10, quando foi denunciado após ter sido filmado estuprando.

Médico anestesista desde 2017, o estuprador se valia do ofício e da sua posição para praticar seus crimes. Prestou serviço em mais de 10 (dez) hospitais como pessoa jurídica. Seguro de atuar em um ambiente que o protege, uma vez que tem meios e legitimidade para dopar suas vítimas e que sendo médico, poucos conseguiriam questionar suas atitudes e condutas de forma a serem ouvidos, ele ousava estuprar mesmo com outros profissionais presentes em um mesmo ambiente.

Além disso, por mais insano e degenerado que sejam seus atos, esse criminoso não é um doente mental. Ele é uma amostra do que a barbárie e o machismo sem limites produzem. É a expressão de até que ponto chega a cultura do estupro e a misoginia.

Giovanni Quintella Bezerra é, também, um homem branco, cis, heterossexual e exercia uma profissão que agregava status social e econômico. Vê-lo ser gentil e respeitosamente conduzido à prisão despertou também um sentimento de injustiça, já que a conduta das polícias para com a população em geral, inclusive com os inocentes, é bastante diferente. Nas periferias, com a juventude negra, com os motoboys, a regra é agredir e depois averiguar. Ou seja, a prisão preventiva do estuprador, causou estranhamento, porque a garantia aos direitos humanos que essas instituições deveriam respeitar, só se aplica quando se trata de homem branco em respeitada posição social, mesmo sendo ele um estuprador dos mais repulsivos.

A maioria da população carcerária brasileira, nunca teve sequer direito à julgamento. Giovanni, o estuprador, está no presídio Bangu 8, mas protegido dos outros presos, em uma cela privativa, desfrutando de seu privilégio de ter curso superior, cumprindo prisão preventiva pelo crime em questão, mas investigado por mais outros 5 (cinco) estupros pelos quais foi denunciado.  O estuprador segue sendo médico, visto que seu registro ainda não foi cassado.

 E por falar em polícia e nas instituições …

 Desgraçadamente, um veículo da imprensa, a Jovem Pan, diante do espaço que o caso ocupou, explorou de maneira fria e inescrupulosa a situação, publicando, na íntegra e sem nenhum tipo de censura, o vídeo repugnante de Giovanni estuprando a parturiente. A divulgação das imagens pela imprensa bolsonarista e misógina nada mais faz do que sensacionalismo e apologia ao estupro. Não foi desnecessário ou “sem noção”, foi mais que grotesco, foi mais que desumano, foi criminoso. A identidade da vítima, até então preservada, foi exposta pela mídia bolsonarista.

Indignadas, prontamente, dezenas de mulheres foram protestar em frente à Jovem Pan, num ato convocado pelo MTST, em São Paulo. No entanto, tomado como tumulto, o protesto foi dispersado pela polícia!

 

      Mulheres em protesto em frente à Jovem Pan 

E a saúde?

Apesar das dificuldades e das subnotificações, há dados muito preocupantes, que demonstram o quanto o machismo nos hospitais e nas clínicas vitimiza as mulheres. Exemplo disso é a pesquisa feita pelo jornal britânico The Guardianque envolveu uma amostra de 1,3 milhões de pacientes e cerca de três mil cirurgias, e que concluiu que pacientes femininas tratadas por cirurgiões homens tiveram 15% mais chances de resultados piores do que pacientes mulheres tratadas por cirurgiãs mulheres. O mesmo estudo afirma que as mulheres têm 32% mais chances de morrerem se forem operadas por homens.

Segundo dados da Secretaria de Segurança de cada estado, só em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre 2014 e 2019, houve 1289 registros de casos de violência sexual em estabelecimentos de saúde (públicos e privados).

É no estabelecimento de saúde que, nos casos de estupro, a mulher deve ser acolhida, examinada, orientada, encaminhada, receber pílula do dia seguinte, receber medicações preventivas contra DSTs e atenção psicológica e se for o caso, ter o direito a realizar o aborto. Ao contrário, os dados revelam que nesses estabelecimentos, além de não serem devidamente atendidas, são constrangidas, julgadas, humilhadas, torturadas e às vezes até estupradas.

Não há transparência nos dados existentes e tampouco interesse pelos conselhos que profissionais de saúde em produzir informações capazes de dimensionar e erradicar a violência machista dos médicos e enfermeiros, mas pelo que se tem acesso, o número de cassações de registro profissional é ínfimo, se comparado ao número de denúncias.

Mesmo diante do escândalo protagonizado pelo anestesista estuprador, o CREMERJ e o CFM se recusaram a repassar dados à imprensa.

E sobre o registro de Giovanni, até o momento, o CFM se omitiu. Nem sequer uma nota ou manifestação sobre o caso o órgão emitiu. Quando procurado, apenas informou que cabe ao CREMERJ tratar do caso. O CREMERJ, por sua vez, suspendeu o registro do estuprador pela “gravidade da acusação”, até que possa apurar e julgar para posterior cassação.

Não é exagerado dizer que esses órgãos, junto a outras instituições, como as faculdades de medicina, são omissos e tolerantes diante da violência sexual e que isso não é de hoje. Em 2017, a imagem absurda de médicos que acabavam de concluir a residência em ginecologia e obstetrícia, reviveu na memória de muitos e sugere exatamente isso.

 

                         Médicos recém formados em clara apologia à violência machista e à misoginia

 

Guerra ao Machismo! Nem um dia a mais para Bolsonaro!

O presidente Jair Bolsonaro, aproveitou a comoção em torno do caso de estupro para tentar pegar carona no ódio e querer tirar algum saldo eleitoral com a situação, Bolsonaro foi hipócrita. Ele nunca defendeu nenhum direito das mulheres, pelo contrário, seu discurso de ódio sempre estimulou o aumento da violência de gênero. Aliás, não foram poucas as vezes em que utilizou o próprio tema do estupro para ofender e ameaçar mulheres publicamente. Quando era deputado, por exemplo, virou réu depois de dizer repetidas vezes que “só não estupraria Maria do Rosário porque ela era feia”.

É a negligência do Poder Público e a perpetuação da cultura do estupro que fazem com que o monstro anestesista pratique sem preocupações sua violência sem limites.

Logo após a imprensa noticiar o caso e o assunto ganhar as mídias, o anestesista estuprador ganhou milhares de seguidores nas redes sociais. De 365 seguidores, em poucas horas, o criminoso passou a ter mais de 11 mil. O número só não cresceu ainda mais porque o perfil foi desativado. Outros perfis em seu nome foram criados e, segundo reportagem do jornal Brasil de Fato, há dezenas de páginas com milhares de seguidores defendendo sua liberdade e negando a gravidade de seus atos. Esse tipo de gente, ainda que seja covarde, se mobiliza e nos ataca.

A violência do Estado nos obriga a ter que repetir que “criança não é mãe e estuprador não é pai” depois do estupro de uma criança menina de 11 anos e da subsequente violação do seu corpo e da sua integridade pelas instituições ao lhe perseguirem, criminalizarem e punirem negando o direito ao aborto. Nos indignamos com a exposição covarde de uma atriz, vítima de estupro que entregava o bebê à adoção.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, a cada 10 minutos há um estupro e a cada 7 horas há um feminicídio.

Para além da violência machista, a lista de situações escandalosas que acontecem por aqui e que chocam o mundo não para de crescer. Marcelo Arruda é covardemente assassinado enquanto celebra seu aniversário. Seguimos perguntando quem mandou matar Bruno Pereira e Dom Phillips? Genivaldo, homem negro e doente, foi torturado pela polícia numa câmara de gás improvisada no porta malas da viatura. Moïse Kabagambe, congolês de 24 anos, foi amarrado e espancado até a morte no RJ por cobrar que lhe pagassem o dinheiro atrasado de seu trabalho.

Não é possível seguir lamentando a barbárie a cada dia e contrapor a tragédia atual às ilusões semeadas pela disputa eleitoral. É preciso transformar nossa dor e revolta em organização e luta! Vamos às ruas exigir justiça e garantir nossos direitos!

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