28 de junho: Dia do Orgulho LGBTQIA+
Por Babi Borges
No mês de junho, ano após ano, vemos as cidades ficarem mais coloridas, o comércio decorar suas fachadas com as cores do arco-íris, as grandes empresas falarem em diversidade e muita publicidade direcionada ao público LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers/questioning, intersexuais, assexuados e outras identidades), além das grandes Paradas. Esse fenômeno é decorrência do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, celebrado desde 1970, quando ocorreu a primeira Parada. Além disso, ainda que de lá para cá muita coisa tenha mudado, o preconceito e a discriminação seguem fortemente presentes e vitimam a população. Assim, botar a cara no Sol, tomar as ruas para dizer que se existe, para celebrar o orgulho e exigir direitos faz tanto sentido quanto há meio século atrás, quando essa história começou. Por isso, vamos começar por resgatar alguns acontecimentos.
A
revolta de Stonewall
Não ser uma pessoa cis e hétero nos EUA,
na década 60 não era nada fácil. A perseguição promovida pelo Estado e pelas diversas
instituições era implacável. Internações compulsórias em manicômios,
lobotomias, torturas e prisões eram frequentes. Os “homossexuais” eram
excluídos de todos os direitos sociais e civis. Caso se assumissem ou fossem
descobertos, no mínimo não teriam direito a atendimento em hospitais, a
frequentar escolas ou ter empregos públicos. Havia uma intensa propaganda
anti-gay, que os estigmatizava e patologizava. Existir e viver a própria
sexualidade era um desafio. Ser “homossexual” era um crime e era imperdoável.
O Stonewall Inn era um bar em Nova
Iorque, situado em um gueto frequentado, principalmente, por homossexuais e
pessoas trans, que tinham bem pouco dinheiro. A polícia sempre aparecia no
lugar para extorqui-los, humilhá-los, prendê-los e lhes tomar algum
dinheiro.
Nem mesmo reunidos nos seus guetos,
durante a noite, era possível encontrar um pouco de paz. Diante de tudo isso,
um dia resolveram dar um basta a essa situação, inclusive porque, nas palavras
de um dos participantes da revolta, “eles já não tinham nada a perder” e no dia
28 de Junho de 1969, o Stonewall literalmente pegou fogo.
Nessa noite, quando a polícia apareceu
para realizar uma de suas batidas, as trans Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera
estavam entre as primeiras pessoas a fazer o jogo virar, arremessando as
primeiras pedras contra os policiais. Alguns deles foram presos dentro do bar.
A revolta de Stonewall, 53 anos atrás, foi um enfrentamento violento. Incêndio,
pedrada, molotov, sangue, prisões e barricadas. Foi político. Eram as LGBTQIA+s
contra o Poder Público. Foram 6 dias de uma verdadeira batalha campal contra a
polícia que repercutiu internacionalmente.
A
primeira Parada
Depois da revolta, muitos rejeitaram a
ideia de viver com medo, com vergonha e refugiando-se em guetos para se
proteger. Junho de 1969 lhes mostrou a necessidade de se unir e reafirmar a
própria existência era o melhor caminho para se proteger. Outros acontecimentos
também inspiraram a luta organizada das LGBTQIA+, como as lutas anti-racistas
nos EUA, contra a guerra do Vietnã, o Festival de Woodstock e o maio de 68 na
França. Lutar pela liberdade, estava na ordem do dia. Então, em 1970, um ano
depois, organizaram, corajosamente, uma marcha que juntou 10 mil participantes:
a primeira, assim chamada, "Parada do Orgulho Gay". Ela aconteceu
para comemorar a vitória da Revolta de Stonewall e para dizer que o que fizeram
estava certo e que estavam dispostas a se enfrentar com todas as instituições
que as oprimiam. Era uma marcha pra dizer que tinham orgulho e não vergonha de
ser como eram e fazer o que faziam. Para tripudiar sobre o Estado opressor. Pra
virar o jogo e exigir direitos. Foi assim, que muita coisa foi conquistada.
A revolta ecoou por todo o mundo e a
marcha também. Nos mais diversos lugares as pessoas foram contagiadas pelo
exemplo de rebeldia que a Revolta de Stonewall significou e foram às ruas dar
um basta à opressão de gênero e identidade sexual. Foi fruto desses
enfrentamentos que muitos direitos foram arrancados.
No Brasil, anos depois, as avenidas se
abriram ao orgulho por caminhos que não foram muito diferentes. Lutar por
"liberdade sexual" era uma luta indissociável da luta política. Atos
contra a violência policial e contra a ditadura marcaram o início desse
movimento. As primeiras paradas aconteceram nos anos 90 e a Parada do Orgulho
LGBTQIA+ de São Paulo se tornou a maior do mundo.
A
liberdade não cabe nas urnas
Contraditoriamente, é também no Brasil
que ano após ano batemos o recorde mundial de assassinatos motivados por
lgbtfobia. Ainda que as estatísticas sejam subestimadas, segundo o relatório do
Grupo Gay da Bahia, a homotransfobia matou 300 pessoas.
Durante os 14 anos que o PT governou o
país, a realidade das LGBTQIA+ não mudou. Este partido se limitou a realizar
conferências consultivas e criou o programa Brasil Sem Homofobia, que nunca
saiu do papel. O Kit anti-homofobia que promoveria o combate à opressão nas
escolas foi usado como moeda de troca para salvar o então ministro Palocci,
envolvido em escândalos de corrupção. Dilma se elegeu fazendo compromisso com
setores conservadores e reacionários, assinando a Carta ao Povo de Deus, em
troca da governabilidade e de se eleger a todo custo, o PT fortaleceu os
setores mais bizarros da política brasileira do qual Bolsonaro faz parte. Exemplo disso foi deixar
a Comissão de Direitos Humanos sob o comando do pastor Marco Feliciano, que só
não instalou a “cura gay” porque houve muita luta. A união estável entre casais
homoafetivos só foi garantida em 2011 e esse direito não se deu por conta da
presidência, mas sim por decisão do STF, ou seja, apesar do PT.
Só faz 3 anos que a homofobia e a
transfobia foram criminalizadas e também foi por decisão do STF.
Ao contrário do PT, que nunca assumiu
uma postura categórica de inimigo das LGBTs, Bolsonaro se promoveu tentando,
sempre que possível, dar voz aos lgbtfóbícos de plantão. Apoiou Feliciano
quando o pastor tentava aprovar a “Cura Gay”, mentia sobre o kit anti homofobia
dizendo coisas esdrúxulas e mentirosas como a distribuição de “mamadeira de piroca”
nas escolas, durante o governo petista. Como representante da ultra direita,
além de um discurso moralista e de incentivar a discriminação e a violência,
Bolsonaro ameaçou desde sempre fazer retrocederem os poucos direitos já
conquistados. O presidente genocida também fez coro com tudo de pior que o
capitalismo apresenta como governante, como por exemplo, Vladimir Putin, que
criminaliza a homossexualidade na Russia, proibiu a Parada por cem anos e
persegue LGBTQIA+’s com prisões e torturas.
Para além das pautas específicas, a
carestia, o sucateamento da saúde, o aumento da violência, o desemprego e a
precarização do trabalho atingem as LGBTQIA+ trabalhadoras de maneira ainda
mais cruel, tornando-as ainda mais vulneráveis.
Mesmo diante de tudo isso o tema da
Parada de São Paulo (a maior do mundo) foi: “Vote com Orgulho”. Com essa
palavra-de-ordem, a Parada vendia a ilusão de que basta esperar as eleições e
votar que tudo ficará resolvido. Dessa forma, além de celebrar o orgulho no
único dia do ano em que isso é possível, como se no resto do ano não fosse
desgraçado, ainda dá fôlego para que Bolsonaro termine seu mandato.
Frente a tantos retrocessos, da barbárie
e do caos social, muitas paradas seguem ocorrendo e as lições da Revolta de
Stonewall vão sendo deixadas para trás.
Igualdade
ou Cidadania do Consumo
O capitalismo é um sistema muito
sofisticado que se apropria de tudo, seja onde for. Lucra com nossa dor e com
nosso brilho.
As Paradas foram sendo
institucionalizadas e o exemplo de São Paulo é bastante emblemático. A
Associação da Parada é uma instituição criada para administrar esse
"evento" e promover o mercado
pink. Vende o espaço da avenida para trios elétricos, recebe patrocínio de
empresas que lucram com a exploração e celebram uma falsa harmonia com o
governo da vez, que têm as mãos sujas de sangue e praticam a exclusão nos
outros 364 dias do ano. É um dos eventos mais lucrativos da cidade,
movimentando bilhões a cada edição.
Outra Parada, além da de São Paulo, que
recebe a atenção internacional, é a Parada LGBTQIA+ de Israel. Esse Estado
investe na estratégia conhecida como pinkwashing,
que consiste em fazer um forte marketing político que promova uma imagem
positiva, justa, democrática e avançada que lhe traga alguma legitimidade,
enquanto a essência deste Estado é absolutamente opressora. Assim, Israel
coloniza, domina e promove uma limpeza étnica contra o povo palestino, mas sai
na foto como uma democracia, como país livre e tolerante, usando um pano de
fundo de paraíso LGBTQIA+ que encobre - ou “lava de rosa”-, toda a sua
imundice.
Mas, apesar dos governos, dos
empresários e dos burocratas, as LGBTQIA+ não deixam de lutar e nesse momento é
importante denunciar o ocorrido na Parada de Istambul, que foi duramente
reprimida pela polícia turca no último dia 26. Mais de 200 manifestantes foram
presos e tal qual a polícia nova iorquina fazia meio século atrás, muitas
batidas e prisões ocorreram e o Poder Público vem proibindo as manifestações.
A Rebelião de Stonewall e a origem das
Paradas nada tem a ver com as instituições do capitalismo. Os direitos
conquistados foram produto de enfrentamento e não de assimilação, celebração e
conciliação com aqueles que oprimem. O jogo começou a virar quando travestis
negras e latinas tacaram as primeiras pedras na polícia norte americana, não
quando os governos, os empresários, os policiais e as ONGs preparam uma festa
na avenida para dizer que está tudo bem. Como
dizia o manifesto de 1970, convocando a Primeira Marcha: “Babylon has forced us to commit ourselves to one thing…
revolution”! Nada mais atual, a liberdade exige uma
revolução.
Toda a solidariedade aos ativistas
turcos!
Nem um dia a mais para Bolsonaro!.
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