Por que não apoiamos a candidatura de Francia Marquez e Gustavo Petro na Colômbia?
Declaração da Marx Internacional e da Marx Colômbia
Parte do ativismo colombiano que foi às ruas em manifestações multitudinárias contra o Governo capitalista, assassino e corrupto de Iván Duque, manifesta nesse momento simpatia pela candidatura à vice-presidente de Francia Elena Márquez. Em busca de uma alternativa às velhas forças políticas que governam a Colômbia, jovens ativistas veem em Francia Márquez uma alternativa de poder popular.
No entanto, essa expectativa da juventude e dos setores mais oprimidos e
explorados dos trabalhadores não é espontânea e gratuita, ela está determinada
também pela posição capituladora que a esquerda latino-americana assume ao
propagar ilusões sobre o caráter dessa candidatura. Por isso queremos, em
primeiro lugar, dialogar com a juventude e com os trabalhadores que nutrem ilusões
na candidatura de Francia Márquez e posteriormente dialogar com os militantes
de base das organizações de esquerda que vergonhosamente chamam a votar nessa
candidata da burguesia.
Quem é Francia Márquez para além das aparências
A imagem imediata de Francia Márquez é de uma advogada, uma ativista
ambiental, lutadora, que na condição de mulher negra, seria uma defensora do
fim da opressão racista e da exploração capitalista. Essa é a imagem que seduz
milhares de jovens trabalhadores na Colômbia e no conjunto da América Latina.
Mas como marxistas, alertamos esses trabalhadores e a juventude que qualquer
personagem política deve ser compreendida para além de sua aparência imediata e
entendida pelas determinações de classe que a formam, isto é, pelo programa
político que defende. É nesse sentido,
que afirmamos que Francia Márquez longe está de ser uma candidatura que se
eleita defenderá os interesses da classe trabalhadora e dos setores mais
oprimidos da nossa classe.
É fato que Francia Elena Márquez Mina foi uma ativista ambiental que
atuou no movimento feminista e no movimento negro, inclusive liderando uma luta
importante contra a mineração ilegal na região de La Toma, no ano de 2001. Não
negamos isso e não faltaremos com a verdade. Entretanto, encerrada essa luta,
Francia Márquez foi cooptada por instituições imperialista justamente para
cumprir o papel que ela está a cumprir nesse momento, ou seja, apresentar um
rosto “mais humano, não-branco e feminino” ao regime democrático burguês
colombiano e às instituições burguesas do Estado que, desde os levantes
populares em 2019, entraram no ápice de sua crise e estão profundamente
desacreditadas pelos trabalhadores.
Como parte da cooptação de Francia Márquez pela burguesia, em dezembro
do ano de 2014, o Governo de Juan Manuel Santos a levou para Havana (Cuba), na
qual ela atuou diretamente como elaboradora do fracassado “Acordo de Paz”, o
qual obrigou as antigas organizações guerrilheiras a depor suas armas, enquanto
o Estado policialesco e os grupos paramilitares seguiram a aterrorizar os vilarejos
campesinos da Amazônia Colombiana.
Ainda como parte desse transcurso de capitulação, em 2018 o imperialismo
estadunidense concedeu a ela o Prêmio Goldman de Meio Ambiente. Esse prêmio é
financiado pela organização Goldman Environmental Foundation, uma organização
fundada pela bilionária e sionista família Goldman, cujo principal
representante é hoje Daniel Sachs Goldman, procurador-geral de investigações do
Comitê de Inteligência da Câmara dos Deputados dos EUA, indicado pelo Partido
Democrata.
Consolidada como uma personagem política claramente vinculada às
organizações do imperialismo estadunidense, em 2020 Francia Márquez se tornou
consultora do projeto Construcción para la Prevención y el Autocuidado de la
Asociación de Consejos Comunitarios del Norte del Cauca, projeto apoiado e
financiado pela Programa Derechos Humanos USAID, um programa mantido pelo
Governo dos EUA para monitorar lideranças populares e sindicais na Colômbia. Nesse
mesmo sentido, em 2021 assumiu a presidência do Comité Nacional de Paz
Reconciliación y Convivencia del Consejo Nacional de Paz, o órgão responsável
pela implementar o “Acordo de Paz” que como dissemos anteriormente serviu para
desarmar os guerrilheiros e para o Estado burguês e os paramilitares
monopolizarem a força.
Como é possível observar, então, Francia Márquez não é uma ativista
independente que surge representando a luta dos setores mais explorados e
oprimidos na sociedade colombiana. Tudo ao contrário. Francia é atualmente uma
profissional política de carreira que desempenhou altas funções diplomáticas
para o Estado Burguês e uma porta-voz dos interesses dissimulados dos EUA
dentro da Colômbia, ainda que o faça com voz de veludo.
Um programa capitalista “humanizado” contrarrevolucionário
Para concorrer ao cargo de Presidente, Francia Marquez integrou o
movimento “SOY PORQUE SOMOS” e recolheu assinaturas para apresentar seu nome à
Coligação Pacto Histórico. O “Pacto
Histórico” é uma coligação política formada por partidos políticos e movimentos
de ideologia social-democrata, como, por exemplo, as organizações Colômbia
Humana, União Patriótica e o Pólo Democrático Alternativo.
A escolha dos candidatos da coligação Pacto Histórico ocorre por meio de
uma disputa entre os pré-candidatos com a realização das “primárias”, que são
consultas interpartidárias, realizadas no dia 13 de março de 2022.
Ocorre que Francia Márquez não recebeu assinaturas suficientes para
apresentar uma candidatura independente e, por isso, concorreu às prévias do
Pacto Histórico com o aval do Pólo Democrático Alternativo, ou seja, uma
aliança direta com setores da burguesia e seus políticos profissionais.
Como resultado da pré-candidatura de Francia Márquez, ela ficou em
segundo lugar nas consultas internas do Pacto Histórico e assim conseguiu
conformar a chapa presidencial do Pacto Histórico com Gustavo Petro, como
candidato presidencial e Francia Márquez, candidata à vice- presidente.
Foi com essa trajetória política, realizando acordos, que Francia
Márquez conseguiu o posto de candidata a vice-presidente para as eleições
presidenciais da Colômbia de 2022 na coalizão capitalista Colômbia Humana.
Seu programa nada tem de socialista, nem mesmo de reformista, é um programa capitalista rebaixado que busca oferecer um rosto menos “brutal” do capitalismo em um país devastado pela pobreza, exploração, opressão e violência. É por essa razão que sua candidatura é fortemente apoiada pelo imperialismo dos Estados Unidos e por setores capitalistas da Colômbia como o Pólo Democrático Alternativo no Pacto Histórico, junto com outros setores capitalistas e uribistas como o de Luis Pérez, Roy Barreras, ex-senadores, ex-governadores capitalistas.
“Voto crítico” e a manobra semântica da traição da esquerda
Se diante das ilusões dos ativistas nos cabe o alerta, diante do apoio
explícito das diversas organizações de esquerda ao programa burguês de Francia
Márquez e Gustavo Petro, nos cabe a denúncia da traição dos dirigentes dessas
organizações.
Na tradição da III Internacional fundada por Lenin e Trotsky, tradição a
qual reivindicamos, não há espaço para tergiversação de nenhum tipo.
As organizações marxistas têm como princípio não apoiar candidaturas da
burguesia porque isso é uma ruptura política com os princípios elementares da
classe trabalhadora enquanto força política e social. Inclusive o apoio às
candidaturas de mulheres negras não decorre unicamente da busca por representação
no Estado Capitalista, mas, sim em defesa de um programa socialista, uma vez
que os marxistas compreendem que o combate ao racismo e a qualquer outra
opressão está submetido à derrota sistêmica do capitalismo. Para o marxismo, a luta verdadeiramente feminista e antirracista está
vinculada não apenas à representatividade, mas também a defesa de um programa
revolucionário.
No momento atual, infelizmente, para desviar a luta legítima das
mulheres e da população negra e indígena, uma tática atual do imperialismo para
enganar o povo sobre o verdadeiro programa capitalista que propõe coalizões
burguesas é impulsionar candidaturas de mulheres negras como Kamala Harris,
atual vice-presidente do governo imperialista de Joe Biden nos EUA; ou
ativistas, cujas candidaturas são utilizadas para confundir o povo sobre o
verdadeiro programa capitalista que propõe a coligação que eles representam.
No entanto, ignorando tudo isso, desde que Francia Marquez se colocou
como candidata, diversas organizações de esquerda não hesitaram em apoiá-la, os
estalinistas o fazem abertamente e os “trotskistas” o fazem mediante o
argumento de “voto crítico”. Ambos mentem para os trabalhadores sobre quem é
Francia Marquez, ambos mentem quando tratam essa candidatura como
“progressista” e supostamente representante da luta popular.
O Partido Comunista Colombiano (PCC) apoia abertamente a candidatura do Pacto Histórico encabeçada por Gustavo Petro à presidência e por Francia Marquez à vice-presidência. Em sua velha ladainha estalinista, o PCC apresenta essas candidaturas aos trabalhadores como se fossem projetos de Libertação Nacional, anti-imperialistas e forças necessárias para a construção do Poder Operário e Popular. Nada mais enganoso. Tanto Petro, quanto Francia estão domesticados pelo imperialismo estadunidense e dispostos a aprofundar a dependência da economia colombiana e a superexploração da força de trabalho para garantir os lucros dos grandes capitalistas estrangeiros e nacionais.
O caso mais emblemático disso é a posição adotada Partido Socialista de
los Trabajadores – seção da Liga Internacional dos Trabalhadores (PST-LIT), uma
organização que no passado teve passado cumpriu um papel muito importante na
luta de classes latino-americana, quando organizou a Brigada Simón Bolívar no
apoio à Revolução da Nicarágua.
Os atuais dirigentes do PST-LIT anunciaram há mais de um ano sua
campanha de apoio à França Márquez. E não só anunciaram o seu apoio, como
também efetivamente se somaram à campanha de recolhimento de assinaturas para
que ela obtivesse o registro de sua candidatura reconhecido pelo Estado
Colombiano. Foi o que disseram: "Desde o Partido Socialista dos
Trabalhadores temos anunciado nosso voto crítico pela França Márquez e nos
somamos à campanha por seu direito democrático a ser candidata presidencial, em
um país onde a máxima da democracia burguesa de ter direito a "escolher e
ser escolhido" não é mais do que uma ilusão para a enorme maioria da
população"[i]
Se o voto crítico em uma candidatura burguesa em si já é um elemento
estranho a política da III Internacional Comunista, a situação se torna ainda
mais inadmissível quando um partido que se reivindica socialista e
revolucionário se coloca como força de propaganda de uma campanha burguesa.
Além de aderir a sua pré-candidatura participando ativamente da coleta
de assinaturas para a participação de Francia na coligação Pacto Histórico, o
PST- LIT também manteve o seu apoio a Francia quando ela apresentou sua
candidatura via o Pólo Democrático Alternativo, um partido burguês socialdemocrata
da Colômbia. Esse novo capítulo da traição foi apresentado publicamente pelos
próprios dirigentes do PST-LIT: "... Insistimos em que, no terreno
desfavorável das eleições, são os trabalhadores e os lutadores que têm
legitimidade para receber o voto daqueles que lutam nas ruas. Por isso
acompanhamos a candidatura da França Márquez e agora chamamos a votar a lista
de Soy porque Somos à Câmara de Representantes ." [ii]
Mas as sequências de traições não se encerram por aí, quando se tornou
público que Francia Márquez iria ser candidata à vice-presidente por meio da
coalização capitalista liderada por Gustavo Petro, a direção do PST-LIT
reafirmou seu apoio a candidatura de Márquez e aderiu sem nenhum pudor à
campanha de Gustavo Petro. Mais uma vez nas palavras dos próprios dirigentes do
PST-LIT, a candidatura de Francia Márquez foi assim apresentada “A Francia
representa a luta contra o regime político; contra as opressões, contra a
repressão aos protestos, contra o assassinato de
líderes sociais e pelas reivindicações da terra e territórios de camponeses
pobres e povos indígenas e negros"[iii]
.
Por meio dessas declarações públicas é possível observar que a
aproximação do PST-LIT com a candidatura de Francia Márquez não se resume a um
“voto crítico”, mas sim a uma adesão à campanha pura e simples desse programa
político. Observem, a direção do PST-LIT afirma que a candidatura de Márquez
representa a luta contra o regime político. Ora, nesse caso nos cabe perguntar:
essa candidatura questiona os pilares do regime democrático burguês, a justiça
burguesa e o seu parlamento corrupto? Por suposto que não. A direção do PST-LIT
afirma ainda que Francia Márquez representa a luta contra as opressões, contra
a repressão aos protestos, contra o assassinato de líderes sociais e pelas reivindicações
da terra e territórios de camponeses pobres e povos indígenas e negros. Mais
uma vez questionamos: O programa de Francia Márquez está pela dissolução das
forças de repressão do Estado burguês? Está em defesa do fim da superexploração
da força de trabalho dos operários e camponeses indígenas e negros? Está pela
socialização da terra e do fim da propriedade privada no campo? Está pela
abolição da prostituição que afeta diretamente as meninas e mulheres pobres da
Colômbia, em especial nos Departamentos Amazônicos? Evidente que não.
É por essa razão que afirmamos sem pestanejar que assim como os
dirigentes estalinistas do PCC, os dirigentes do PST-LIT mentem para a classe
trabalhadora, vendem ilusões sobre o programa político de Francia Márquez e por
isso deverão ser duramente cobrados pelos ativistas e militantes honestos.
A mesma política que levou a LIT a apoiar Pedro Castillo no Peru e a
apoiar Gabriel Boric no Chile, leva agora a seção colombiana dessa organização
a apoiar Gustavo Petro e Francia Márquez. É a política do suposto campo burguês
progressista, a nefasta política que levou as seções da LIT a se calar diante
dos ataques homofóbicos e misóginos de Pedro Castillo, a se calar diante do
apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas à candidatura de Boric.
Frente a isso fazemos as seguintes interrogantes aos sinceros militantes
do PCC e do PST-LIT: Até quando se prestarão a fazer campanha para um candidato
burguês supostamente menos pior? Até quando aceitarão como corretas as
elaborações políticas capituladoras de seus dirigentes? Por quantos anos mais
aceitarão desperdiçar sua energia revolucionária atuando como mercadores da
democracia burguesa? O que diriam aos trabalhadores do Peru quando Castillo
apoiado pelo PC e pela LIT agora reprime violentamente manifestações populares?
O que dirão agora para as famílias dos presos políticos no Chile, quando nesse
momento Gabriel Boric, apoiado pelo estalinismo do PC e pela LIT, não apenas
mantém o encarceramento, como ataca com repressão as manifestações que exigem a
liberdade desses ativistas? O que dirão aos trabalhadores colombianos caso
Gustavo Petro e Francia Marquez assumirem o governo colombiano e em seguida atacarem
os direitos básicos da classe trabalhadora?
Os companheiros sabem, mas nós da Marx Internacional reforçamos, é um
dever de qualquer organização que se pretenda socialista e revolucionária lutar
por alternativas políticas independentes e denunciar a democracia burguesa como
uma ilusão para a população em todos os países do mundo. Nós devemos denunciar
a democracia burguesa e denunciar os candidatos capitalistas, pois não existem
vitórias para os trabalhadores sob um programa de conciliação de classes. Pelo
contrário, os programas de conciliação de classes são historicamente utilizados
para desviar a luta dos trabalhadores e manter a dominação da burguesia. Isso é
justamente a intenção do Pacto Histórico na Colômbia com uma candidatura de
Petro e Francia.
Em 2021, o povo colombiano realizou mais de 100 dias de atividades
ininterruptas, com marchas, bloqueios de ruas e greve geral, enfrentando uma
forte repressão do Estado. É nesse cenário de grandes lutas e enfretamentos da
classe trabalhadora colombiana que a intenção da burguesia é desvia a
radicalização das massas para o processo eleitoral, prometendo um falso
“governo burguês progressista”.
Assim, trata-se de uma ruptura de princípios apoiar diretamente
candidatos de partidos burgueses que irão governar aliados ao grande Capital e
manter uma política de fome e desigualdade social. Por isso, chamaremos voto
branco, nulo e abstenção.
Se no processo de luta dos trabalhadores
colombianos tivesse surgido uma candidatura socialista e independente dos capitalistas,
seríamos chamados a dar-lhes um voto de apoio. Mas, quando não há nenhuma candidatura que
represente os interesses dos trabalhadores e do povo, cabe aos revolucionários
seguir os preceitos da III Internacional Comunista nos tempos de Lenin e Trotsky,
isto é, chamar publicamente a votar em branco ou abster-se, dizer a verdade ao
povo, ainda que no primeiro momento muitos ativistas não acreditem no que
dissemos. Mas dizer a verdade aos trabalhadores, por pior que ela seja, é a
única forma de oferecer um programa realmente revolucionário a nossa classe. E é disso que se trata, oferecer à classe
operária o caminho da revolução.
[i] ¿Quién es Francia Márquez y por qué el PST
recogió firmas para ella? – PST-Colombia (pstcolombia.org)
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