Yanomami: a última fronteira do capitalismo na Amazônia




      Por Gisele Sifroni e Rebeca Monteiro

 

Desde o início do século XXI o povo yanomami enfrenta novamente diversas ondas de invasões em suas terras. Localizado em uma região do interflúvio entre o rio Orinoco e o rio Amazonas, uma região extremamente rica em minério na fronteira entre a Amazônia brasileira e a Amazônia venezuelana, o território yanomami tem sido devastado por grupos paramilitares (narco-garimpeiros) que invadem o território para extrair minério e fornecer ouro para grandes mineradoras ou para os grandes bancos.

Com a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro e seu discurso pró-garimpo, repleto de racismo contra todos os povos indígenas, as invasões, violações e assassinatos no território yanomami cresceu de forma acelerada. Somente no ano de 2020 o garimpo avançou cerca de 30% na terra yanomami e devastou uma área equivalente a 500 campos de futebol, a partir da invasão de 20 mil narco-garimpeiros.  

Entretanto, ainda que essa devastação tenha se acelerado explicitamente durante o Governo Bolsonaro, ele nunca foi e não será o único governo capitalista inimigo declarado do povo yanomami. Os últimos massacres dos narco-garimpeiros contra esse povo, tal como o massacre de Alto Ocamo, ocorreram na parte venezuelana do território yanomami, sob a conivência do Governo de Hugo Chávez e posteriormente de Nicolas Maduro[1].

Durante os chamados “governos progressistas” do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, isto é, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, os yanomami também denunciaram que grupos paramilitares invadiram suas terras a mando de políticos governistas e empresas protegidas por esses governos.

O maior líder yanomami, Davi Kopenawa, denunciou que apesar de Romero Jucá, ex-governador do Estado de Roraima ser o principal responsável pela invasão dos garimpeiros no território yanomami, Lula o designou como vice-líder de seu governo no Senado, no ano de 2007. Em outras palavras, Lula não somente ignorou a invasão no território yanomami como também deu permissão para que o maior articulador dessa invasão pudesse fazê-la a partir de seu governo.[2]  

No ano de 2012, o Governo de Dilma Rousseff, também considerado pela esquerda mundial como um “governo progressista” propôs a regulamentação da mineração nos territórios indígenas, ou seja, tentou legitimar a invasão e o roubo de terras, a expulsão e os assassinatos praticados por empresas nacionais e imperialistas nas terras dos povos originários. Por essa razão, Davi Kopenawa, em nome do povo yanomami afirmou que “Dilma não é amiga do índio. Ela é inimiga. Ela não conhece a nossa floresta, a nossa terra. Ela não conhece a realidade do povo yanomami, a beleza da floresta. Ela só conhece o papel, a lei. Mas ela não está enxergando. O pensamento dela é só para destruir o subsolo.”[3]

Todos esses fatos revelam que, longe de ser um ataque exclusivo de um governo de extrema-direita, a tragédia do povo yanomami tem sua essência na formação capitalista brasileira e venezuelana que para expandir a propriedade privada e se apropriar dos recursos naturais precisam destruir a propriedade comunal dos povos indígenas. Tais fatos escancaram ainda que todos os governos que comandaram o Estado Capitalista no Brasil e na Venezuela derramaram e derramam o sangue dos povos originários para posteriormente derrubar no mesmo chão a maior floresta tropical do mundo – a Floresta Amazônica – milenarmente amada e protegida por esses povos.

 

A heroica luta de uma sociedade comunal contra a barbárie capitalista

 

A palavra "Yanomami" significa "seres humanos" e é a denominação do povo que corresponde a um conjunto de grupos que ocupam a região Amazônica há milhares de anos, compartilham a mesma cultura material, isto é, a propriedade coletiva, e intelectual, totalizando 09 línguas.

No Brasil, o Território Yanomami está localizado entre os Estados de Roraima e do Amazonas, ocupando uma área de 96.650 km² (maior em extensão do que Portugal) e abriga uma população originária de 26.780 habitantes, subdivididos em mais de 200 comunidades e ainda com presença de povos isolados.  Junto com a Venezuela, são 36 mil pessoas em um Território de 192.000 km², representando uma das maiores áreas de floresta tropical do mundo.

O povo yanomami permaneceu isolado por um longo período, apenas com contato com povos originários vizinhos, até o processo de delimitação de fronteiras do Brasil com a Venezuela na metade do século XX. Todavia, assim como o infortúnio dos demais povos indígenas, o flagelo do povo yanomami está inserido na história da ocupação capitalista na floresta.

No final do século XIX e início do século XX, a Amazônia fora definitivamente incorporada à geografia da exploração capitalista. A entrada do capital na região ocorreu mediante aspectos explícitos da barbárie burguesa. Basta recordar que a descoberta da borracha como um material imprescindível para a indústria, em especial para a indústria automobilística, implicou na utilização do trabalho escravo, em massacres e no extermínio de diversos povos originários, entre os quais o povo uitoto, o povo bora e o povo ocainas, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia[4]. E tal como o destino de tantos outros povos, a tragédia yanomami também ocorre nesse contexto de destruição ininterrupta da Amazônia pelo capitalismo.

No pós-Segunda Guerra Mundial, o imperialismo estadunidense, ávido por descobertas científicas que impulsionassem sua indústria bélica e farmacêutica, não hesitou em realizar experimentos na Amazônia. Assim, no final da década de 1960, a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos da América contratou o geneticista James Nell para realizar uma pesquisa que comparasse a mutação genética entre os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki.

Para tanto, mediante o suborno dos governos venezuelanos de Raúl Leoni (1964-1969) e de Rafael Caldeira (1969-1974), James Nell e sua equipe invadiram o território dos yanomami e os utilizo como cobaia para “entender” como determinadas doenças oriundas ou não de uma guerra química podem dizimar as populações. O resultado desse macabro experimento foi a epidemia de sarampo que resultou na morte de 20% da população yanomami que na época era de 25 mil pessoas.[5]

Distante de ser a única desventura do povo yanomami, o massacre biológico provocado pelos EUA, sob a cumplicidade dos governos sul-americanos, foi seguido de outra tragédia própria da insanidade capitalista.

Com a ditadura militar brasileira, teve início os primeiros projetos de mineração na região, e na década de 1980 mais de 40 mil garimpeiros ocuparam o território Yanomami e quase 15% da população morreu nesse período por doenças e também por massacres realizados por garimpeiros.  

Após uma luta histórica e com a derrota da ditadura militar, o Estado brasileiro, que sempre negou a existência de seus povos originários, foi forçado em 1988 na nova Constituição a reconhecer direitos mínimos a esses povos. Assim, em 1992, a Terra Indígena Yanomami foi demarcada no Brasil, garantindo o direito à ocupação do território e preservação da biodiversidade da Amazônia.

No entanto, a demarcação legal do território yanomami não significou e tampouco poderia significar o fim das invasões capitalistas na terra indígena. Afinal, o próprio Estado Brasileiro e o Estado Venezuelano, na condição de Estados Capitalistas, são os maiores impulsionadores da expansão da propriedade privada da terra, algo que se choca com a propriedade comunal dos povos originários. Exemplo disso foi o Massacre de Haximu, no qual garimpeiros armados assassinaram 73 yanomami, no ano de 1993, um ano após a demarcação do território pelo Estado Brasileiro[6].

 

Autodeterminação e a autodefesa dos povos originários

Não resta dúvida que as lutas dos povos originários, entre as quais do povo yanomami, estão inseridas na luta contra o sistema capitalista e contra a sua forma mais avançada de propriedade privada – a propriedade burguesa dos meios de produção. Nesse sentido, dois aspectos são fundamentais para o debate entre marxistas.

O primeiro aspecto trata-se da necessidade de reconhecer que os Estados Nacionais na América Latina, assim como em todo o mundo, nasceram e se desenvolveram mediante a opressão de povos originários que ocupam esses territórios há milhares de anos, tal como é o caso dos yanomami. Desse modo, por um princípio caro ao leninismo é nossa tarefa reconhecer o direito de autodeterminação e autodefesa desses povos contra o Estado Opressor, o direito não somente de utilização de sua língua e seus costumes, como também da proteção de seu território contra qualquer invasor.

O segundo aspecto é que, pela essência da propriedade que defende, ou seja, a propriedade coletiva, a luta indígena é parte inseparável e incontestável do programa dos revolucionários para a destruição do Estado Capitalista e a edificação de um Estado Operário que transite para o socialismo e tenha a propriedade coletiva dos meios de produção como o principal eixo produtor de riquezas.

Assim, nós da ART afirmamos veementemente que a resolução dos conflitos em territórios dos povos originários transitoriamente passa pelo direito inalienável de autodefesa e autodeterminação. Mas que a resolução definitiva desses conflitos está na derrubada do sistema capitalista e da sua forma de propriedade. Nessa tarefa estamos agora e sempre com o povo yanomami e com todos os povos oprimidos no mundo.

 

 

 

REFERÊNCIAS



[1] Pronunciamiento de Horonami Organización Yanomami sobre a presencia de minería ilegal en el Alto Ocamo.

 

[2] SOS Yanomami: ‘Todo o Povo Yanomami está contra a mineração’. Entrevista com Davi Kopenawa. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2009/09/30/sos-yanomami-todo-o-povo-yanomami-esta-contra-a-mineracao-entrevista-com-davi-kopenawa/

 

 

[4] Casement, Roger. Diários da Amazônia. São Paulo: Editora EDUSP, 2016.

 

[5] Souza, Márcio. História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2019.

 

[6] Ferguson, Brian R., Yanomami Warfare. USA: School of American Research, 1995

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