Milicianos do agronegócio aterrorizam e torturam famílias camponesas em Rondônia
No último dia 18 de setembro cerca de 50 famílias foram aterrorizadas, mantidas em cárcere privado e torturadas por milicianos ligados ao agronegócio, na comunidade Seringal do Belmont, distante 3 km da cidade de Porto Velho.
Com técnicas próprias da
Polícia Militar, de modo covarde e sorrateiro, milicianos fortemente armados e
encapuzados entraram nas casas dos camponeses, intimidaram e ameaçaram de morte
mulheres, anciões e crianças. Sob o pretexto de procurar a liderança da
ocupação camponesa, os paramilitares colocaram fogo nas casas e, sob o olhar
inocente de crianças, queimaram vivos animais de estimação e seus pertences,
inclusive os documentos pessoais.
De acordo com o Instituto
Nacional da Colonização e Reforma Agrária (INCRA), as terras do Seringal
Belmont são terras devolutas, razão pela qual pelo menos cinco dezenas
de famílias camponesas estão assentadas sobre elas desde 2014.
No entanto, em novembro
de 2020, a Justiça do Estado de Rondônia atendeu o pedido de reintegração de
posse feito pela empresa Atual Construções e Incorporações, empresa da família
Cidin, que falsa e descaradamente usou documento falso (analisados e comprovado
pelo processo N.º 7043042-90.2020.8.22.0001) alegando ser proprietária das
terras. Assim, mesmo diante da suspensão dos despejos durante a pandemia,
centenas de camponeses foram expulsos de suas terras, retornando a elas somente
em setembro de 2022 quando a ordem de reintegração fora suspensa pela Justiça.
Por coincidência ou não,
o atentado contra os agricultores de Seringal Belmont ocorreu 10 dias após a
suspensão da ordem de reintegração de posse e a retomada do território pelos
trabalhadores rurais.
Tal fato, explicita que
por trás da barbárie e do terror das milícias urbanas e rurais que atuam em
Rondônia estão latifundiários, grileiros de terras, homens potentados do
agronegócio com incrustações nas altas esferas do Estado, o que lhes garante
impunidade frente aos sucessivos massacres de indígenas, ribeirinhos e
camponeses patrocinado nas últimas décadas.
No caso da disputa pelas
terras da comunidade Seringal Belmont está a família Cidin, família ligada a
vários ramos do agronegócio, tais como a venda e a exportação de madeira ilegal,
venda de equipamentos e venda de lotes oriundos de áreas griladas e desmatadas.
Acusada de forte esquema
de corrupção em 2008, na cidade de Ariquemes/RO, a família Cidin é o típico
caso de grileiros de terras que subiram da região Sul/Sudeste para invadir
terras da União na região Norte e Centro-Oeste exercendo grande influência na
política local. Não por acaso, os negócios escusos da referida família
começaram no Estado de São Paulo, no final da década de 1950 e se alastraram
durante a década de 1980 pelo Mato Grosso, Amazonas e Rondônia e foi nesse
último Estado que constituiu seu maior raio de influência.
Desalojados de suas
terras mediante uso explícito de violência, violação de direitos humanos e
táctica de guerra própria daquelas usadas pelas forças de repressão do Estado,
os agricultores da comunidade do Seringal de Belmont foram obrigados a acampar
na calçada, depois foram para um terreno do Instituto Federal de Rondônia
(IFRO) localizado ao lado do INCRA. Dali sofreram uma liminar de despejo
solicitada pelo próprio INCRA, que também impediu às famílias acessar suas
instalações (banheiros). Após o descabido mandato de reintegração posse, o
grupo mudou-se para um terreno próximo à instituição, onde permanecem.
Ali, sob Sol e chuva,
crianças, mulheres, homens e idosos não recebem nenhuma assistência do Estado,
a não ser ameaças constantes de pessoas atreladas ao grileiro que passam de
hora em hora pelo local. Sem água potável e banheiros com alimentação precária
e sem itens básicos de higiene, esses homens e mulheres de mãos calejadas, com
o rosto cansado da luta e do sofrimento imposto pelo latifúndio mantém os
traços de humanidade que o Estado Brasileiro trata de apagar. E não poderia ser
diferente no cenário político de Rondônia e do conjunto da Amazônia.
Alvo de cobiça do
capitalismo brasileiro e mundial, a Amazônia se transformou nas últimas
décadas, em especial nos últimos anos, em um dos maiores territórios de
conflito da América do Sul. A expansão do agronegócio, da mineração e de
grandes projetos de infraestrutura, destrói dia após dia a vida de campesinos,
quilombolas, ribeirinhos e indígenas.
Comandada por grupos
políticos ligados à militares que usam fardas durante o dia e capuzes de
milicianos durante à noite, as margens do Rio Madeira que atravessam Porto
Velho até a cidade de Autazes (AM), estão tomadas por as atividades econômicas
legais e ilegais que dominam territórios inteiros, expulsam populações e
submetem a terra e os rios, antes de uso compartilhado, à pura acumulação de
capital. Do garimpo à pastagem, da pastagem à plantação de soja, da plantação
de soja à mineração estrangeira, da mineração estrangeira à produção do leite
de búfala, o ciclo de expropriações na Amazônia prossegue sob marcha forçada. Os
inúmeros tons de verde da floresta derivados dos povos originários e de suas
culturas de convívio com a natureza, foram em pó e cinzas. Para cada negócio do
setor primário-exportador que se ergue são incontáveis os hectares de florestas
derrubadas, dizimando junto os povos entrelaçados nelas. Não é por outra razão
que 39% do território de Rondônia está desmatado, tampouco é por acaso que esse
desmatamento é seguido por reintegrações de posse fraudulentas, por assassinatos
de lideranças indígenas, quilombolas e camponesas e pela escalada de uma tríplice
destruição: extração de madeira, pecuária e soja.
Por isso o atentado de milicianos
contra os agricultores da comunidade Seringal de Belmont é apenas o prelúdio
daquilo que poderá ocorrer com outras ocupações campesinas. Se nossa
solidariedade não for efetiva e ligeira, mais famílias campesinas serão
desintegradas, perseguidas e eliminadas para que grileiros e latifundiários
enriqueçam e tiranizem a população rondoniense mediante a fome, a sede e o
desalento dos homens e mulheres da classe trabalhadora.
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